Minas Gerais

Minas Gerais Era mais um Congresso, esse da UNE e como todo estudante é esquerdista, eu não fugia a regra, então, assim que a data foi divulgada começamos os preparativos. Eu não conhecia Belo Horizonte, seria uma oportunidade imperdível. Dessa vez, fui com outros colegas, com outros amigos em uma vibe diferente. Dividia o banco do ônibus com minha amiga de infância, não sei o que deu nela de querer ir junto, mas tudo com ela é diversão garantida. Logo que embarcamos, um carinha muito extrovertido não parava de se apalhaçar e entre o balanço do ônibus e as cantigas sem ritmo, esse estudante trocou muitas brincadeiras e muitos olhares maliciosos com minha amiga, que de tímida não tinha nada. Não lembro direito dessa tal brincadeira Carrossel, mas lembro perfeitamente de quem fazia a brincadeira. A viagem foi divertidíssima. Eu tinha um fã, e não sabia. O garoto era um querido, muito atencioso, educado, extremamente gentil, porém, só fiquei sabendo de que ele era a fim de mim, anos depois, quando já compartilhava o matrimônio e filhos com outra mulher. Só que nessa mesma época, eu me tornei fã e outra pessoa. Na primeira noite, fomos em uma festa no Estádio Mineirão, foi uma balada incrível, pulei tanto, dancei, cantei, fiz vários amigos, beijei muito na boca e perdi o ônibus. Assim que me arranjei naquela festança, minha amiga foi me chamar para irmos para o alojamento, dizendo que o ônibus partiria em dez minutos. Não fui. Daqui a pouco ela volta, dizendo que só faltava a mim, que era para eu ir logo, também não fui. Ela voltou, então pedi dois minutinhos para me despedir do garoto e prometi que já ia. Na verdade, eu fugi, fugi dos olhares chamativos que me perseguiam e fiquei dançando o resto da noite com meu mineirinho. Bem feliz. A festa estava tão boa que fui umas das últimas a sair, mas quando dei por mim, já não tinha ninguém à minha espera e eu não sabia onde estava alojada, eu não sabia o nome da escola, eu sequer sabia se estava perto ou longe. Eu não sabia como chegar lá. Então tive uma ideia, sai perguntando aos motoristas das delegações retardatárias e legais, que tinham paciência de esperarem por seus colegas que estavam se divertindo, se alguns deles sabiam onde estava minha delegação. Putz, o pior é que não adiantava eu saber, eu estava sem dinheiro, meus pertences ficaram com minha amiga. Mesmo assim, continuei com minha busca, perguntei para um, não sabia, perguntei para o segundo, que perguntou para um terceiro que coincidentemente era da delegação de Joinville, e antecipadamente se propôs em me deixar na escola. Nem precisei mendigar, o motorista era tão legal que compartilhou com os passageiros a possibilidade de me deixarem no alojamento e todos prontamente aceitaram minha companhia. Tudo isso e eu nem sabia o nome do guri que tinha me feito perder o ônibus. Chegando no local, agradeci até minha quinta geração, e desci correndo em direção do “meu quarto”. Sequer pus os pés portão a dentro, minha amiga começou a gritar e me xingar, levei até um susto, estava tão calma, tão tranquila, e aqueles gritos adentravam meus tímpanos adentro. Gritou, gritou, me chamou de irresponsável, disse que achou que eu estivesse perdida, machucada, roubada (não sei o que, se ela que estava com minhas coisas), enfim, parecia mais uma mãe histérica do que uma amiga feliz em ver a outra amiga feliz... Não bastasse ela, e tive que escutar e me comportar a viagem toda, o carinha do Carrossel também queria me dar lição de moral, o que era demais para minha cabeça. Entrava por um ouvido e saia pelo outro, atenção zero. Agora pelo amor de Deus, o que um ser, que conheci há apenas um dia, tem a capacidade de se achar no direito de me repreender. Sai da frente né. Eu até tinha achado ele interessantezinho, mas isso já era demais, nem me conhece e quer me passar o sabão, não, né!? Sim, achei ele divertido e gostoso, não era muito fã de careca, mas era um careca charmoso, não era bonito, mas perecia ter pegada. Obviamente, fiz votos de silêncio com esse ser até chegar em Santa Catarina. Depois de toda essa lengalenga, mesmo eu pedindo desculpas, perdão, me ajoelhando, implorando, não mudaram seus estados de ânimo. Deixei-os. Ao entrar na sala quarto, encontrei o meu fã, que no momento era um amigo querido, sentei ao seu lado e conversamos o resto da noite, sem cobranças, sem gritos, sem stress. Eu só queria paz, nem beijo na boca queria mais. Tempos se passaram, depois que voltamos cada um seguiu sua vida. Minha amiga continua minha amiga até hoje, meu fã, se tornou um ótimo marido e pai de família, e continua meu amigo, e quanto ao cara do Carrossel, feio e careca, com toda chatice e intromissão na minha vida, acabou me convencendo a tomar umas caipirinhas com ele. Tomamos várias juntos, mas quando a cobrança sem sentido começa a zoar em meu ouvido, eu sumia, depois voltava e sumia de novo até um dia que eu sumi e quando voltei não o encontrei mais. Aí parece a ficha ter caído, a brincadeira, era de um Carrossel que sempre voltava, mas parava em lugares diferentes.

Comentários

silvioafonso disse…
Parava para voltar a girar tendo no
dorso de cada animal alguém com uma
história igual a sua para contar.

Que bom que os parques existem e neles
os sonhos que a gente, teimosa, não
deixa ou não pretende deixar de dormir.



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